As Eleições 2002 ainda continuam no segundo turno, para a presidência e para a maior parte dos governos estaduais, mas já é possível adiantar um dos grandes vencedores desta campanha: o spam eleitoral. Candidatos de todos os partidos, alguns bastante conhecidos em seus respectivos estados, e pregadores da moralidade, entupiram a caixa postal de milhares (milhões?) de internautas com mensagens não-solicitadas, que algumas pessoas preferem chamar simplesmente de “lixo eletrônico”. Na última semana antes do pleito, os candidatos capricharam. Alguns chegaram a mandar vários e-mails por dia, gerando protestos por parte de usuários da Internet. Durante os últimos três meses, InfoGuerra reuniu dezenas de exemplos de spam eleitoral, uma quantidade suficiente para fazer um levantamento de “campanha”. As mensagens poderão ser vistas ao longo desta reportagem, bastando clicar nos respectivos links. Você irá reconhecê-las, pois é bem provável que também as tenha recebido.
O que se viu, na verdade, foi desalentador: futuros governantes e legisladores do território brasileiro utilizando técnicas, táticas e alegações tão antiéticas quanto as de qualquer spammer de carteirinha. O candidato spammer (ou o spammer candidato) é o equivalente digital do candidato “sujismundo”, aquele que emporcalha as ruas das cidades com santinhos e outros apetrechos de apoio eleitoral.
A enxurrada de lixo eletrônico político começou logo depois do dia 6 de julho, data a partir da qual foi liberada oficialmente a propaganda eleitoral. Um dos primeiros a aderir à prática foi Emerson Kapaz, candidato à reeleição para deputado federal por São Paulo, pela Frente Trabalhista.
Por causa do spam, o candidato virou personagem de uma matéria do site HotBits intitulada “Denuncie spam eleitoral no TSE” que, para não ajudar a fazer mais propaganda, omitiu seu nome. Porém, havia uma imagem-paródia do e-mail, em que o candidato era chamado de Emerson Rapaz e seu número foi trocado para 666, o número da Besta do Apocalipse.
Segundo uma nota publicada pela revista Istoé Dinheiro, durante sua campanha, elaborada pela agência Touché Propaganda, Kapaz iria mandar semanalmente cerca de 30 mil e-mails, “para pessoas que o autorizaram a enviar essas mensagens”. Mas não foi o que se viu. Uma de suas mensagens foi recebida pelo advogado paranaense Omar Kaminski, que não autorizou o envio de propaganda eleitoral em sua caixa postal e, além disso, nem mora em São Paulo, portanto não pode ser eleitor de Emerson Kapaz. Além desta mensagem, Kaminski recebeu dezenas de outras, de variados candidatos e partidos. Feita uma filtragem inicial, ele calcula ter recebido pelo menos 50 exemplares diferentes de spam eleitoral.
O estudante Rafael Spoladore, o Rafa, responsável pelo blog “Todos os cães merecem o céu”, também recebeu o spam de Kapaz, escreveu para o candidato, reclamando da atitude, e chegou a receber uma resposta, que foi publicada no blog. Emerson Kapaz (ou seu assessor) alega que não praticou nenhum ato ilícito ao "entrar na caixa postal" de Spoladore e “chamá-lo para discutir temas” que ele acredita que “sejam importantes para o futuro do nosso país”. E diz que obteve os endereços eletrônicos “através de uma lista de amigos e colaboradores”. A reclamação de Rafa não surtiu efeito, pois os spams continuaram chegando, e ele foi obrigado a publicar outra nota, bem mais indignada.
Campanhas equivocadas
Outro candidato da Frente Liberal, este concorrendo ao cargo de presidente ? Ciro Gomes ? é classificado pela edição desta semana da Istoé Dinheiro como um dos “que mais têm enviado spam”. Na verdade, Ciro Gomes vem apelando para as mensagens não-solicitadas desde muito antes de sua campanha à presidência ter começado oficialmente. No final do ano passado, o jornalista Aldo Novak, editor do Relatório Alfa, chegou a consultar a redação de InfoGuerra sobre a possibilidade de fazer uma matéria conjunta, tendo como pauta spams que ele recebeu do candidato, que já preparava o terreno para sua candidatura atual. O Museu do Spam, site que coleciona este tipo de e-mail, também se inspirou em mensagens não-solicitadas de Ciro Gomes para criar sua logomarca, conforme admitiu o responsável pelo site, em uma recente entrevista.
No início de agosto, muita gente começou a receber, atônita, cerca de três mensagens, todos os dias, com notícias e a agenda do candidato. Alguns destes destinatários registraram seu protesto na rede, como foi o caso do jornalista Carlos Pimentel, que comentou sobre o conteúdo de uma dessas mensagens: “Ciro responde, em mensagem eletrônica (diga-se de passagem, não solicitada, o que configura a odiosa prática de spam - em nenhum momento ele pediu autorização para passar a atulhar diariamente as caixas de correio eletrônico dos internautas com sua agenda de campanha)”.
O responsável pelo blog Eu Hein, jornalista de uma conhecida revista nacional, também passou a receber tais mensagens e mandou uma resposta atrevida para o candidato: “Não sei porque cargas d'água passei a receber todos os dias, por e-mail, a agenda do Ciro Gomes. Olha aqui a minha resposta para eles.”
Mas, aparentemente, a enxurrada de mensagens diárias não passou de uma estratégia de campanha em que alguns procedimentos básicos de Netiqueta (a etiqueta da Internet) foram esquecidos. Segundo Gustavo Jácome Sanches, coordenador de projetos da NewTrade, agência de publicidade e marketing político responsável por toda a comunicação de Ciro Gomes, as mensagens não foram enviadas para o público em geral, mas exclusivamente para veículos de comunicação. “Não se trata de spam, trata-se de uma agência de notícias que supre os principais veículos com informações verossímeis e em tempo real”, disse.
Isto explicaria a alta incidência de jornalistas que receberam os e-mails, mas não justifica a ausência de referências em algumas mensagens, ou o fato de que veículos sem nenhuma seção política tenham sido incluídos no mailing da agência, causando as confusões já citadas.
Os equívocos de avaliação das campanhas pela Internet foram uma constante nesta eleição, demonstrando que muitas agências de marketing ainda não perceberam as particularidades da rede e o porquê de muitos internautas considerarem certas mensagens eletrônicas como invasão de privacidade.
Na reta final, a assessoria de Luis Inácio Lula da Silva, do PT, resolveu puxar o tapete de seu candidato com uma péssima idéia: cartões virtuais enviados sem nenhum controle. Quem tem o mínimo de experiência com a Internet sabe que há anos os spammers se aproveitam de cartões eletrônicos para inserir publicidade indesejada. Um de nossos leitores, que garante que nunca se cadastrou para receber propaganda do PT, acabou de ser contemplado com um desses clássicos spams disfarçados, em que se lia a frase: “Lula te enviou um cartão virtual”, com link para uma página personalizada com o nome do destinatário. O cartão ainda pode ser visto online.